ESTE BLOG FOI FEITO EXCLUSIVAMENTE SOBRE A VIDA E OBRA DA MAIOR CANTORA MODERNA BRASILEIRA DE TODOS OS TEMPOS. SÃO MAIS DE QUARENTA ANOS DE UMA TRAJETÓRIA BRILHANTE DESSA ESPETACULAR ARTISTA. ELA COMEÇOU COMO MARIA DA GRAÇA E HOJE SEU NOME É GAL.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

segunda-feira, 11 de maio de 2009

BIOGRAFIA




1945

Quando GAL COSTA nasceu, no dia 26 de setembro de 1945, o mundo festejava o começo de um período histórico repleto de perspectivas otimistas, mudanças de comportamento, alterações culturais e avanços políticos. A Segunda Guerra Mundial, que embaralhou por seis anos os podres poderes das grandes potências, deixando um saldo de milhões de mortos, havia acabado 24 dias antes com a rendição oficial do Japão.

Esse dado foi tão determinante que, no Brasil, multidões foram às ruas saudar os soldados brasileiros que retornavam das batalhas travadas na Itália. A população aproveitou a euforia para reivindicar mudanças na política ditatorial de Getúlio Vargas, atrelado ao poder desde 1939. Eleições diretas são convocadas, mas o Exército, por temer a reeleição de Getúlio, promove um golpe "preventivo": Vargas renuncia em 29 de outubro. Eurico Gaspar Dutra é eleito o novo presidente e, entre os seus primeiros atos oficiais, estava o encerramento definitivo dos cassinos no Brasil.

Na França, as mulheres finalmente adquiriam o direito ao voto, até então exclusividade masculina. Carmen Miranda, residente nos Estados Unidos desde o final da década de 30, chega ao posto de terceiro artista mais bem pago do show business norte-americano. E, por ainda não existir televisão, o cinema e o rádio eram veículos extremamente poderosos e populares. Em 1945, Joan Crawford ganha o Oscar de melhor atriz pelo filme Mildred Pierce, e o trompetista Oscar Peterson faz a sua primeira gravação. O trio vocal Andrews Sisters conquista os hit parades com Rum and Coca-Cola, hoje um clássico do pós-guerra.

No Brasil, a revista de maior circulação era a extinta O Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand. As rádios apontavam sucessos como Bolinha de Papel (Geraldo Pereira), Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti) e Eu Nasci no Morro (de Ary Barroso). As cantoras mais importantes eram as irmãs Linda e Dircinha Baptista. O malemolente Dorival Caymmi lançava duas canções, Dora e Doralice. Com sua voz de barítono, Nelson Gonçalves encantava o Brasil com a épica Maria Bethânia, composição que o destino levaria, no interior da Bahia, a fazer um menino chamado Caetano Veloso a batizar em junho de 1945 sua irmã caçula com o mesmo nome da canção escrita por Capiba.

Eduardo Logullo


1960

Gracinha, Gau, Maria da Graça, 15 anos. Nas festinhas, a adolescente retraída empunhava o violão e cantava as canções da época. Evidenciava-se, lentamente, a sua vocação de cantora. A cidade de Salvador fervilhava de idéias vanguardistas. Brasília era inaugurada, as rádios tocavam João Gilberto em Chega de Saudade, Martim Gonçalves dirigia a Escola de Teatro, os soviéticos lançavam ao espaço o Sputinik 4: o futuro parecia próximo e moderno. John Kennedy vencia as eleições nos Estados Unidos, Gláuber Rocha estreava como diretor em Barravento, Roberto Pires acabara de filmar A Grande Feira e Elvis Presley avisava: It´s Now or Never. O mundo perdia a inocência da década anterior.

A voz possante de Angela Maria e os trinados de Dalva de Oliveira deixavam, aos poucos, de seduzir a adolescente Maria da Graça Costa Penna Burgos. Ela agora se convertia aos acordes dissonantes do primeiro LP de Carlos Lyra, cuja contracapa, assinada por Ary Barroso, registrava pela primeira vez o termo "música popular brasileira".

Um ano representativo em todos os sentidos.

Eduardo Logullo


1964

Historicamente, 1964 foi um ano profundamente marcante para o Brasil. O golpe militar de 31 de março anularia de vez o sonho modernizante que vinha do governo Juscelino Kubitschek e as possibilidades de reformas sociais propostas na época por João Goulart. O país deixava de olhar o futuro e passava a acompanhar o ritmo soturno da ditadura que se prolongaria por muitos anos.

No início, o general Castelo Branco deu surpreendentes concessões aos setores culturais, permitindo assim que as vanguardas pipocassem e formidáveis arrojos artísticos se realizassem.

Nara Leão, musa da juventude engajada, cantava Diz que Fui por Aí, e no final do segundo semestre estreava o show Opinião, no Rio de Janeiro. Elis Regina, musa dos puristas, ganhava o prêmio Roquete Pinto de melhor cantora do ano. Os Beatles sacudiam a juventude mundial com Twist and Shout e A Hard Day´s Night, enquanto João Gilberto, Stan Getz e Astrud Gilberto lançavam um disco essencial para formatar o conceito internacional da bossa nova.

O já indomável Gláuber Rocha levava a Cannes o seu épico Deus e o Diabo na Terra do Sol. Elizabeth Taylor chegava ao quarto casamento, dessa vez com Richard Burton. Na TV Rio, estreava a novela O Direito de Nascer. Nas rádios o trio vocal The Supremes emplacava o hit Baby Love. Os setores musicais lamentavam as mortes de Ary Barroso e Cole Porter.

Salvador, fervilhante de propostas culturais revolucionárias, inaugurava o Teatro Vila Velha, coordenado por atores baianos. Para o primeiro espetáculo musical, surge o espetáculo de um grupo considerado "promissor", formado pelos novatos Gilberto Gil, Tom Zé, Piti, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Maria da Graça. As duas cantoras faziam um aplaudido dueto na canção Sol Negro.

O sucesso dessas apresentações levou-os à montagem de outro espetáculo: Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova em que Maria da Graça cantava Sim, Foi Você e Se é Tarde me Perdoa.

As gravações dos dois espetáculos foram ouvidas por Nara Leão, na Bahia durante uma turnê de apresentações pelo Nordeste. O impacto foi grande. E fez Nara lembrar-se de Bethânia quando procurava uma substituta para seu lugar no show Opinião. O resto é história, que começaria pra valer em 1965.

Eduardo Logullo


1965


Maria Bethânia, indicada por Nara Leão, chegava ao Rio de Janeiro para estrelar o show Opinião. Vinha acompanhada pelo irmão, compositor e estudante de filosofia, chamado Caetano Veloso. A voz de Bethânia logo causaria estrondo, virando talk of the town e gerando contrato para a gravação imediata do primeiro disco. O LP, com contracapa assinada por Caetano, trazia na última faixa do lado A a participação -- afinadíssima e desconhecida -- da cantora Maria da Graça. A canção, Sol Negro é o marco zero da discografia de Gal Costa. Ainda com o nome de Maria da Graça, ela gravaria em seguida o compacto com Eu Vim da Bahia, de Gilberto Gil, e Sim, Foi Você, de Caetano.

1965 teve ainda: Julie Andrews estreando mundialmente o filme A Noviça Rebelde (The Sound of Music), os Beatles também nas telas com Help, a chegada ao Vietnam das primeiras tropas norte-americanas para o início de uma das guerras mais prolongadas do século 20, Elis Regina com o Zimbo Trio, Roberto Carlos no hit Splish Splash, Dorival Caymmi com o Quarteto em Cy na boate carioca Zumzum e o general Castelo Branco aboletado na presidência.

Eduardo Logullo


1966

Poucos sabem que foi no dia 29 de agosto de 1966 que os Beatles se apresentaram juntos pela última vez, em um concerto histórico em San Francisco, Califórnia. Poucos dias depois, Maria da Graça vinha de Salvador, pela segunda vez, tentar a sorte como cantora. Dessa vez ela se apresentaria no I Festival Internacional da Canção, para interpretar Minha Senhora, composição de Gilberto Gil e Torquato Neto.

A canção não esteve entre as finalistas, não tocou nas rádios e não adiantou quase nada para uma voz estreante. Valeu, pelo menos, para sedimentar os contatos profissionais com outros compositores que já enalteciam a sua voz, como Edu Lobo, Chico Buarque e Renato Teixeira. Valeu, pelo menos, para fazer a menina baiana de 19 anos chamar a atenção de João Araújo, pai de Cazuza, então diretor artístico da gravadora Philips. Maria da Graça decide vir morar no Rio de Janeiro, para ficar próxima a produtores e músicos.

Foi durante esse mesmo período que Guilherme Araújo, empresário de todo o grupo baiano, insiste em mudar o nome de Maria da Graça para Gal Costa, para irritação de Caetano Veloso, que dizia preferir, baianamente, apenas Gau. Maria da Graça, Gau, Gal: uau. O primeiro LP, dividido com Caetano, só seria lançado no ano seguinte.

O mundo, enquanto isso, rodava veloz: o Brasil perdia feio a Copa do Mundo na Inglaterra, Frank Sinatra estourava com Strangers in the Night, o seriado Batman estreava na tevê, Wanderléa estourava com Pare o Casamento, o foguete Gemini 10 entrava em órbita na Terra, o automóvel DKW saía de linha, Elizabeth Taylor mostrava-se nos cinemas em Quem tem medo de Virginia Woolf?, morria Walt Disney, Nara Leão vencia com A Banda o II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, os The Mammas & The Pappas disputavam com a dupla Simon and Garfunkel o primeiro lugar dos hit parades com, respectivamente, Monday, Monday e The Sound of Silence. Ah, e Roberto Carlos chocava os carolas com a sua emblemática E que Tudo Mais Vá para o Inferno, hoje banida do repertório do Rei.

Eduardo Logullo


1967

Profissionalmente, 1967 é o ano em que Gal Costa deslancha sua carreira. Embora ainda não fosse um nome com popularidade, ela começava a armazenar prestígio entre músicos, produtores e críticos. Sua voz bossanovista era considerada moderna, afinada e original. Gal, como artista, não se parecia com ninguém. Havia apenas a referência ao canto de João Gilberto, cantor que seria para sempre sua fonte, seu segredo e sua revelação.

De contrato já assinado com a Philips, Gal apresentou-se, com Sílvio César, no III Festival de Música Popular da TV Record cantando Dadá Maria, de Renato Teixeira. A canção agradou, mas não emplacou -- e permanece hoje, com sua letra meio desarticulada, apenas como registro curioso da era dos festivais. Gal também grava Bom Dia, de Gilberto Gil, que fora defendida no mesmo festival por Nana Caymmi.

Sai, em seguida, o LP Domingo, que Gal dividia com Caetano Veloso, com direito a quatro canções-solo (Maria Joana, Candeias, Minha Senhora e Nenhuma Dor). O disco, com arranjos de Dory Caymmi e capa com pinceladas psicodélicas, mereceu matérias em revistas, boas críticas e um quase sucesso, Coração Vagabundo. Dessa forma, muitos passariam a saber quem era aquela garota de cabelos curtos, vestido tubinho e violão na mão.

1967 também foi o ano em que morreram Che Guevara e John Coltrane. Nas tevês, o seriado Perdidos no Espaço evidenciava o sonho que a humanidade mantinha em relação a viagens pelo espaço sideral, discos voadores e seres extraterrestres. Os Beatles lançavam dois discos ainda considerados antológicos: Sgt. Pepper´s Lonely Heart Club Band e Magical Mistery Tour. Começava a guerra de Biafra e Israel invadia os territórios de Golan, Gaza e Sinai. Morria em desastre aéreo o marechal Castelo Branco, enquanto a atriz Melina Mercouri era exilada pela junta militar que governava seu país, a Grécia. Elis Regina casava-se com Ronaldo Bôscoli, entrava em vigor o cruzeiro novo e a repressão política começava, lentamente, a mostrar suas garras.

Eduardo Logullo


1968

1, 2, 3, fogo! O mundo entrava em ebulição, a cultura brasileira entrava em ebulição, Gal Costa entrava em ebulição. 1968 é o ano mais importante da década de 60 e um período divisor de águas para o século 20. Nesse período, a juventude do Ocidente passava a exigir mudanças, rupturas e atitudes arrojadas. Havia sexo, drogas e rock´n´roll. Havia amor, psicodelia e viagens espaciais. Havia revolta, cabelos e sonho. Era preciso estar atento e forte.

Em maio de 1968, milhares de pessoas saem às ruas de Paris, em protestos que misturavam política e novos rumos do pensamento. Jimi Hendrix lançava o disco Electric Ladyland e saía o The White Álbum, dos Beatles. Stanley Kubrick mandava tudo para outras galáxias, em seu espantoso 2001, uma Odisséia no Espaço. A rainha Elizabeth II visitava o Brasil, o cirurgião Christian Barnard fazia o primeiro transplante de coração, Andy Warhol era baleado em Nova York pela atriz Valerie Solanas, morriam Sérgio Porto e Marcel Duchamp, e o general Costa e Silva, segundo presidente militar do golpe de 1964, tornava-se cada vez mais sinistro.

Rogério Sganzerla estreava no cinema com O Bandido da Luz Vermelha e o grupo Oficina encenava Galileu, Galileu. Marília Pêra, Marieta Severo e Paulo César Pereio, entre outros atores, eram espancados por policiais militares durante a temporada de Roda Viva. Estreava mundialmente O Submarino Amarelo, animação em longa metragem que traduz o auge da psicodelia. Seus autores, os Beatles, passavam temporadas na Índia com gurus espirituais.

Na melhor cidade do América do Sul, fermentava o Tropicalismo, movimento estético e musical que mudou para sempre a feição brejeira, lírica e ingênua da MPB. Caetano Veloso e Gilberto Gil elaboram um disco-manifesto, batizado com o nome de um trabalho do artista plástico Hélio Oiticica: Tropicália. Participam desse trabalho, além de seus dois mentores, Os Mutantes, Nara Leão, o maestro Rogério Duprat, Tom Zé, os poetas Torquato Neto e Capinam, e Gal Costa -- que canta em três faixas: Baby, Parque Industrial e Mamãe, Coragem.

Deflagrado o Tropicalismo, o último trimestre de 1968 transforma o panorama musical em campo de batalha: de um lado, os tropicalistas com guitarras dissonantes, de outro, os eternos defensores da viola enluarada na MPB. A até então comportada Gal Costa choca as platéias ao surgir, no dia 14 de novembro, com visual inteiramente hippie para interpretar a elétrica Divino, Maravilhoso, no IV Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. A canção, de Caetano e Gil, conquista o terceiro lugar, perdendo para Memórias de Marta Saré (cantada por Edu Lobo e Marília Medalha) e São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé.

Mas foi a fase paulista das eliminatórias do III Festival Internacional da Canção que explode de vez com os limites entre vanguarda e retaguarda. Gil havia inscrito Questão de Ordem e Caetano, É Proibido Proibir. Durante a apresentação desta última, no teatro do Tuca, os urros da platéia impediram Caetano de cantar. Ele faz um discurso inflamado, provocativo e definitivo. Estava declarada a guerra contra a caretice, contra o purismo, contra a juventude quadrada que queria "tomar o poder".

A música foi desclassificada, o então recente programa televisivo Divino Maravilhoso saía do ar (estreara em outubro), Caetano se apresentava com Os Mutantes em shows na boate carioca Sucata, Gal fazia uma temporada em São Paulo com Tom Zé, o general Costa e Silva assina o AI-5 para cercear toda a liberdade de imprensa, Caetano e Gil são presos em São Paulo pela repressão militar, a barra fica pesadíssima e 1968 parecia não terminar mais.

Eduardo Logullo


1969

Feliz ano velho: janeiro começava de modo terrível, não só para os tropicalistas, com Caetano Veloso e Gilberto Gil detidos e incomunicáveis em um quartel no Rio de Janeiro. Barra 69.

É no meio desse clima que chega às lojas o primeiro disco individual de Gal Costa, pelo selo Philips. O LP, que levava apenas o seu nome e estava gravado havia meses, teve o lançamento prorrogado pela atmosfera de incertezas e medo. Os militares atados ao poder, a censura, as prisões. Se tudo era perigoso, tudo ainda poderia ser divino e maravilhoso? Talvez. Risco no ar, risco no disco.

O LP, entretanto, mantinha o frescor da nascente da Tropicália: canções de temáticas urbanas, doces reflexões anarquistas, constatações, citações, provocações, balanço, objetos não-identificados, diversificação de ritmos e arranjos inacreditáveis de Rogério Duprat.

Gal, que desde a sua apresentação no Festival da Record conseguira arrebanhar um novíssimo público trópico-freak, recebia agora uma acolhida inesperada: o disco ultrapassava as cem mil cópias vendidas -- feito avassalador para o mercado fonográfico da época. As rádios tocavam Baby (a música também entrava na trilha do filme Copacabana me Engana, de Antonio Carlos Fontoura), Gal estrelava o documentário Bahia 2000, fazia shows na Fenit (Stravaganza, com Raul Cortez), saía em reportagens da revista Intervalo, seu nome era citado como ícone feminino de uma reviravolta estética para os padrões brasileiros. Mulher que não combinava bolsa com sapato, mulher que ouvia rock, mulher de figurinos avançados, mulher do futuro.

E o futuro se prenunciava: dois astronautas americanos desciam na Lua, o festival de Woodstock reunia 300 mil hippies, Julio Bressane lançava Matou a Família e Foi ao Cinema, os gays de Nova York enfrentavam a polícia em Stone Wall e as filas eram enormes para se assistir Midnight Cowboy. O escritor Samuel Becket ganhava o Nobel de Literatura, surgia no Rio o semanário O Pasquim, Vera Fischer era escolhida Miss Brasil, a Globo transmitia o primeiro Jornal Nacional e Macunaíma, com Grande Otelo, Paulo José e Dina Sfat, trazia fôlego renovado ao cinema nacional.

No lado podre, Costa e Silva, o sinistro, sofria um derrame cerebral e era substituído por uma junta militar de aspecto assustador, que logo passaria a faixa presidencial para outro general, Emílio Garrastazu Médici –nome que ainda provoca calafrios. Cacilda Becker morria e Carlos Marighela era assassinado nas ruas de São Paulo por um comando militar. Mario Covas tinha seus direitos políticos cassados, acontecia o massacre de My Lai no Vietnam, Richard Nixon assumia a presidência dos Estados Unidos, a censura atacava fortemente a imprensa e Flávio Cavalcanti reinava soberano na televisão.

Caetano e Gil, três meses e meio depois de detidos, são finalmente soltos, de cabelos cortados, semblantes amedrontados e passos vigiados. Em Salvador, eles se apresentam em um show retumbante no Teatro Castro Alves e, em seguida, partem para o exílio em Londres – o epicentro artístico e cultural dos anos 60. Antes, Gil grava um compacto com Aquele Abraço, música que se transforma em libelo contra a tristeza e, principalmente, contra o rancor.

Gal Costa, espremida entre o sucesso do primeiro disco e tantos acontecimentos súbitos, começa a destilar sua raiva por meio de uma postura assumidamente agressiva. Ela havia se tornado, não por escolha própria, na porta-bandeira do que restara do Tropicalismo. E, em vez de trilhar os caminhos do canto fácil e dos hits vendáveis, opta por experiências rascantes junto ao músico e então aliado Jards Macalé. Em questão de meses, prepararia o seu segundo disco individual, que ainda continua a ser, décadas depois, o registro mais radical produzido na história da MPB.

Em oito faixas, conduzidas por Cinema Olympia, Gal se entronizava em musa dos descabelados, dos abandonados, dos revoltados, dos utópicos. Gritos, mixagens sujas, ruídos, sustos, tiros e gargalhada geral: ela não queria mais as tardes mornais, esquecia a contenção cristalina da bossa nova e assustava os caretas. Roberto Carlos e Erasmo Carlos, ligados no que fosse contra a main stream, compuseram Meu Nome é Gal, canção que traduziu o discurso, a atitude, a potência e o alcance artístico daquela voz que não queria soar como nenhuma outra. Seu nome era Gal. Ponto de exclamação.

Assim 1969 se esvaía entre atmosferas estranhas. Ou como cantavam os Novos Baianos no disco com que estreavam naquele ano, tudo era Ferro na Boneca. Necas de olhar pra trás. A boneca Gal Costa, que não era de ferro, decide viajar para a Inglaterra para visitar os amigos de fé, irmãos, camaradas. Por cá, o Tropicalismo já estava inoculado para todo o sempre. Wow!

Eduardo Logullo


1970

Se o ano anterior trouxera doze meses de suspense, 1970 começou para os tropicalistas de modo brando. Gal Costa passara o Ano Novo em Londres, junto a Caetano, Gil, Dedé e Sandra Gadelha, Jorge Mautner, Rogério Sganzerla, Helena Ignez e mais a turma da pesada. Eles até participaram de uma jam session no palco do festival da Ilha de Wight, onde Gal assistira, acampada, uma apresentação de Jimi Hendrix. O escritor Antônio Bivar, também integrado ao grupo, conta detalhes divertidos desse período, em seu livro Verdes Vales do Fim do Mundo.

Mais calma, cabelos repartidos ao meio, muitas compras na Carnaby Street e postura relax, Gal repensara na Inglaterra a sua carreira. Já não partiria mais para o radicalismo do último disco e optaria por um trabalho que permitisse revelar as muitas possibilidades de sua voz. Do canto recôndito ao grito, do rock ao baião, do blues à bossa, do lixo ao luxo. Tropicalista, com toda razão.

Logo ao voltar, lança um compacto com London, London, de Caetano Veloso, e Minimistério, de Gilberto Gil. A primeira canção vira hit instantâneo, em primeiro lugar de execução nas rádios. E quase ao final do segundo semestre sai o LP Legal, com capa de Hélio Oiticica. O disco era resultado do show Deixa Sangrar, estreado meses antes no Teatro Opinião, zona sul carioca. Gal surgia acompanhada do grupo Som Imaginário e do percussionista Naná Vasconcellos. O espetáculo se encerrava com o frevo Deixa Sangrar, de Caetano, composto em Londres como paródia ao título do álbum Let it Bleed dos Rolling Stones.

Ainda do mesmo show, a Philips extrai outro sucesso: Você Não Entende Nada, lançado em compacto e depois incluído às pressas nas prensagens seguintes do Legal. 1970: ano em que Gal Costa emplacou dois enormes sucessos, pulverizando seu nome por todos espaços da imprensa.

Imprensa que também noticiou amplamente o tricampeonato do Brasil na Copa do Mundo do México, provocando uma onda de ufanismo e gerando apoio popular ao governo Médici. Chegava a época do adesivos que diziam "Brasil, ame-o ou deixei-o", enquanto a dupla Dom e Ravel cantava Eu Te Amo, meu Brasil. A repressão política fazia seu jogo sujo de sempre, em busca de núcleos terroristas. Matava-se, torturava-se, sumia-se com os dissidentes. Aviões eram seqüestrados, a Globo exibia a novela Irmãos Coragem, morriam de overdose Janis Joplin e Jimi Hendrix, rios de lágrimas eram vertidos pelas platéias do filme Love Story, Tony Tornado vencia o Festival Internacional da Canção com BR-3, os Mutantes lançavam A Divina Comédia, Nelson Motta produzia Elis Regina no disco Em Pleno Verão, o teatro Ipanema mostrava a montagem de O Arquiteto e o Imperador da Assíria, a redação de O Pasquim ia toda em cana, Elza Soares partia com Garrincha para morar na Itália, Ivan Lins estreava com a composição O Amor é o Meu País, Bernardo Bertolucci lançava seu filme O Conformista e surgiam nas ilhas de edição as primeiras fitas no formato U-Matic. Nada que pudesse impedir de, no Japão, o escritor Yukio Mishima de cometer o harakiri. No meio de tudo isso, valia muito a pena ligar a tevê e se divertir com os episódios de Jeannie é um Gênio.

Eduardo Logullo


1971

Mais ou menos no início de 1971, Gal Costa lançava um compacto duplo com quatro canções: Sua Estupidez, Você Não Entende Nada, Zoilógico e Vapor Barato. A primeira música alcançaria enorme execução radiofônica. Aliás, cantar Roberto Carlos e Erasmo Carlos pegava bem para todos: Elis gravara As Curvas da Estrada de Santos, a voz de Claudette Soares estava onipresente com o sucesso de De Tanto Amor e até Maria Bethânia registraria, neste mesmo ano, no disco A Tua Presença, sua versão de Jesus Cristo.

Em maio, Gal desembarca em São Paulo para uma temporada do Deixa Sangrar no teatro Veredas, em uma pequena transversal da avenida São João. Produzido por Paulo Lima (seu empresário durante o tempo em que Guilherme Araújo esteve em Londres), o show permanece três meses em cartaz.

Ainda nesse ano, Paul McCartney lançou o disco Ram, Carole King massacrava com It´s Too Late, os Rolling Stones saíam com Sticky Fingers (na famosa capa do zíper, de Andy Warhol), a CBS lançava Pearl, disco póstumo de Janis Joplin, enquanto Meddley era o título novo do Pink Floyd. No Festival de Gramado, vencia o filme Pra Quem Fica, Tchau, de Roberto Farias, na Ásia começava o conflito de Bangladesh, Stanley Kubrick estreava Laranja Mecânica, Charles Mason era condenado à morte pelo assassinato da atriz Sharon Tate e Nara Leão lançava o primeiro álbum duplo do Brasil, Dez Anos Depois, com clássicos da bossa nova. Estreava em São Paulo o musical Hoje é Dia de Rock e, em Nova York, Jesus Christ Superstar.

Multiplicava-se no Brasil a cena underground, produzindo grupos de rock com nomes curiosos como Urubu Roxo, Estômago Azul, Módulo 1000 ou O Peso. Publicavam-se tablóides alternativos como Presença, Flor do Mal, Verbo Encantado e a revista Bondinho. O semanário O Pasquim lançava um compacto com Tom Jobim cantando Águas de Março. O Trio Ternura vencia o FIC com a valsa Kyrie, morria Louis Armstrong, começavam as obras do emissário de Ipanema, a praia baiana de Arembepe se transformava em refúgio freak e na zona sul do Rio eram abertas as lojas Hippie Center e Biba. Gal fazia um editorial de moda para a fotógrafa Mariza Alves Lima, sendo citada como exemplo de elegância moderna.

Caetano Veloso, no meio do ano, desembarca no Brasil para participar, com Gal Costa, de um especial com João Gilberto na TV Tupi. Com expressão tensa e tendo que se apresentar à Polícia Federal, ele também faria uma apresentação no programa Som Livre Exportação, apresentado semanalmente por Elis Regina e Ivan Lins.

No final de novembro, a temperatura esquenta pra valer: Gal convida o poeta Waly Salomão para dirigi-la no show que a levaria ao posto de musa do desbunde tropical: Gal A Todo Vapor, montado no teatro Tereza Rachel, Rio de Janeiro. O espetáculo, aclamado por hordas de cabeludos, assinala o ápice da efervescência contra-cultural no país. A Philips não dormia de touca (termo usado na época para definir alguém atento aos lances) e grava o show, lançado em álbum-duplo antes do Natal.

A capa, de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos, exibia no lado interno Gal entre amigos: Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, José Simão, Pepeu Gomes, Waly e Jorge Salomão, prontos para dar um rolê, ver violeto e comer uma fruta gogóia. 1972 terminava, apesar do regime militar, em alto astral. E todos até podiam cantar a sonhadora Imagine, então recém-lançada por John Lennon.

Eduardo Logullo


1972

O início de 1972 ficou conhecido como "o verão do desbunde", termo originado do verbo desbundar, que, segundo os dicionários, significa "perder o autodomínio, enlouquecer, loucura, desvario". Foi apenas isso? Quem era jovem no Brasil, teria dois bons motivos para desbundar : 1) acompanhar a possibilidade de sonhar com uma nova era, voltada a valores espirituais e pouco materialistas; 2) esquecer a repressão política e o estado sem direito instaurado pela ditadura militar. Aliás, nos anos 70, a América Latina era um antro de ditaduras por todos os lados.

Sonhar com novos rumos fazia parte do pensamento libertário e da estética contracultural da época. A Guerra do Vietnam chegava ao fim, com milhões de vítimas. Richard Nixon era acuado pelo caso Watergate. Os cabelos cresciam, as barbas ficavam compridas, as idéias cada vez mais radicais, as artes plásticas se misturavam a perfomances ou instalações, o sexo virava amor livre e a humanidade até pensava que podia ser feliz.

Nas principais cidades brasileiras, a cena underground se expandia em lojas alternativas, restaurantes macrobióticos, espetáculos sem horário para terminar, grupos adeptos de filosofia oriental, políticas pessoais de liberação do corpo, artesanato com criatividade e, enfim, uma enorme solidariedade pairando no ar.

Caetano Veloso e Gilberto Gil sentiram que a barra estava menos pesada. E decidem retornar de Londres, em volta triunfante. Em seguida, Caetano se apresenta no Teatro João Caetano com o repertório do LP Transa (em que Gal Costa fazia vocais e participação em uma faixa), ao lado de antigos sucessos de Carmen Miranda, O Que é Que a Baiana Tem? e Disseram que Voltei Americanizada. Gil lançava o álbum Expresso 2222, com hit instantâneo: Back In Bahia. Gal também participava desse trabalho, na faixa Sai do Sereno.

Maria Bethânia, por sua vez, permanecia em cartaz com o espetáculo Rosa dos Ventos, considerado o mais carismático de sua carreira tão prolífica em shows. Ela ainda estrearia nesse mesmo ano o filme Quando o Carnaval Chegar, de Cacá Diegues, com Nara Leão e Chico Buarque.

No meio desse quadro de euforia, Gal a Todo Vapor se transforma, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em referência obrigatória da juventude desbundada. Assistir o espetáculo (que só chegaria a São Paulo em junho desse ano) era cumprir um ato de fé, com o superlativo do desbunde: pessoas cabeludíssimas, roupas transadíssimas, abraços demoradíssimos, cabeças louquíssimas, sons maneiríssimos, viagens desencucadíssimas.

Gal lançava o compositor Luiz Melodia, autor de Pérola Negra, e confirmava para públicos maiores a tarimba dos Novos Baianos na instigante canção Dê um Rolê, de Moraes Moreira e Luiz Galvão. O espetáculo tinha a direção de Waly Salomão (1945-2003), personagem que manteria ação intensa pelo resto da vida, além de voltar a trabalhar com Gal em vários momentos. Na mesma época, Waly lançava o seu livro de poemas Me Segura que Eu Vou Dar Um Troço, enquanto seu irmão, o também poeta/freak Jorge Salomão, dirigia, quase no teatro ao lado, o mestre Luiz Gonzaga no show Volto Pra Curtir.

O mundo? Quem se importaria com o mundo? Tamanha efervescência no litoral brasileiro fazia com que poucos atentassem para o restante do planeta. A não ser que alguém se dispusesse a viajar de carona até o Nepal, passando por um monastério na Índia, seguindo depois rumo a uma comunidade nas planícies da Turquia. Bons tempos.

No segundo semestre de 1972, Gal e Gil montam um recital despretensioso: Até 73. Os dois passariam uma temporada na Inglaterra e se apresentariam juntos pela Europa.

Por cá, o desbunde prosseguiria. O FIC, Festival Internacional da Canção, transmitido ao vivo do Maracanãzinho, Rio de Janeiro, lançava Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Maria Alcina. Gal também foi destaque: de calça Saint-Tropez listrada, bustiê indiano e silhueta magérrima, apresentou-se em show especial na noite finalista. Uau.

Eduardo Logullo


1973

Musicalmente, um ano de introspecção e maior suavidade. O legendário Pink Floyd fazia todo mundo viajar com The Dark Side of the Moon, Bob Marley vinha com Burnin’, estreava o musical Godspell e Roberta Flack podia ser ouvida milhares de vezes por dia com Killing Me Softly.

O governo Médici entrava no auge da repressão. Centenas de dissidentes presos ou mortos sob tortura -- como Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel. Desapareciam também, mas por convocação celestial, Pablo Picasso e Pixinguinha. Raul Seixas lançava Krig-Ha, Bandolo, seu LP de estréia. E Arnaldo Jabor exibia nas telas Toda Nudez Será Castigada, com atuação magistral de Darlene Glória.

No Carnaval da Bahia, Gal Costa estremecia a Praça Castro Alves com o frevo Barato Modesto, composto por Caetano Veloso e lançado em compacto simples. No céu, havia o cometa Kohoutec. Final dos tempos, asseguravam místicos e malucos.

Os Novos Baianos, para surpresa de quem os imaginava como eterno bando de alternativos, transformam o álbum Acabou Chorare em estrondoso sucesso, com quase um milhão de cópias vendidas, a partir de hits como Preta Pretinha, A Menina Dança e Mistério do Planeta. Aconteceria, ainda, outro fenômeno inexplicável: o grupo Secos e Molhados, um escândalo de súbita popularidade nacional, levava multidões ao delírio com os requebros do vocalista Ney Matogrosso. Entrava-se na era do glitter, do brilho e da purpurina.

O disco Índia, lançado por Gal Costa no final do segundo semestre, trazia essa atmosfera folk-glitter nos lamês coloridos do figurino usado no show homônimo estreado no Teatro das Nações, São Paulo, e que viajaria depois em turnê por cerca de 40 cidades brasileiras, de Manaus a Porto Alegre. Como destaque da direção musical de Gilberto Gil, o acordeom do sanfoneiro Dominguinhos, então ilustre desconhecido.

A capa do disco, entre os mais belos e intensos da discografia de Gal, trazia um close frontal da tanga usada por ela e, na contracapa, a mostrava de seios nus, com adereços indígenas. A censura, em nome da "moral e dos bons costumes", vetou qualquer exposição pública do álbum. A decisão obrigou a gravadora Phonogram a comercializá-lo vendado por um envelope opaco, de plástico azul. Ainda deste trabalho, Presente Cotidiano, de Luiz Melodia, foi proibida de tocar em rádios.

No segundo semestre, Gal alcançaria dois grandes êxitos: as canções Oração a Mãe Menininha, em dueto com Maria Bethânia, gravada durante o evento Phono 73, no Teatro do Anhembi, São Paulo; e De Amor Eu Morrerei, de Dominguinhos e Anastácia, lançada em compacto simples.

Mas chovia sangue lá fora. O presidente chileno Salvador Allende era assassinato em Santiago durante o golpe militar ocorrido em 11 de setembro. Logo o governo Médici reconheceria oficialmente a junta militar que governava o Chile, com Augusto Pinochet à frente daquela que seria, por duas décadas seguintes, a mais violenta ditadura das Américas.

Eduardo Logullo


1974

Conforme rezava a tradição do desbunde, os verões do Rio e de Salvador determinavam a temperatura cultural da estação. Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil surgiram dessa vez em shows individuais no projeto Temporada de Verão, no Teatro Vila Velha, em Salvador, sob coordenação de Guilherme Araújo – que voltava a empresariar sua pupila.

O espetáculo era despretensioso: Gal começava com O Dengo que a Nega Tem, de Dorival Caymmi, cantando lá das coxias. Encerrava com Flor do Cerrado, inédita de Caetano para ela. A banda mantinha músicos do show anterior (Índia), inclusive o acordeonista Dominguinhos.

Gal finalizou esse projeto de shows dois dias antes do Carnaval, período para o qual gravara um compacto com os frevos Acorda Pra Cuspir e Sem Grilos. Até então, a maior festa popular da Bahia não havia atingido a gigantesca dimensão atual. O epicentro da folia era a praça Castro Alves. Desfilavam pelas ruas meia-dúzia de trios de pequeno porte (incluindo-se o dos pioneiros Dodô e Osmar), as barracas não exibiam publicidade de patrocinadores, os afoxés saíam sem regularidade e o circuito da festa ia da Praça da Sé ao Campo Grande. Gal (sempre de pierrô), Gil e Caetano circulavam normalmente entre os foliões, tomavam cerveja e pulavam atrás dos trios.

Em meados de maio, é lançado o disco Cantar, produzido por Caetano, arranjos de João Donato, pinceladas de bossa-nova, cantos contidos e até uma vinheta infantil, Chululu, composta pela mãe de Gal, dona Mariah, para niná-la quando pequena.

O trabalho celebrava uma evolução primorosa. O show, estreado no Teatro da Praia, zona sul carioca, assinalava esse rigor musical. Dali a gravadora produziria rapidamente um compacto-duplo para lançar o choro Teço-Teco, antigo sucesso de Ademilde Fonseca que Gal transformou em sucesso.

Gilberto Gil fazia nesse ano o LP Ao Vivo, puxado pela composição Lugar Comum, de João Donato. Maria Bethânia comemorava seus dez anos de carreira no álbum A Cena Muda. Moraes Moreira e Rita Lee, cada um por seu turno, entravam de vez em carreira-solo.

Em 1974 houve a posse do general Ernesto Geisel na Presidência, o auge do seriado televisivo Kojak, a renúncia de Richard Nixon, o incêndio do edifício Joelma, a inauguração da ponte Rio-Niterói, a Revolução dos Cravos em Portugal (que encerrava seis décadas de salazarismo), e as mortes de Lupicíneo Rodrigues e Juan Perón. Quase ninguém se lembra desses fatos. Mas do disco Cantar, sim.

Eduardo Logullo


1978

Mudanças à vista.

Ano de alterações no Brasil e no mundo. Morre Paulo VI, é eleito o papa João Paulo I e, 34 dias depois, ele morre. O sucessor seria o polonês Karol Woytila, que adotou o nome de João Paulo II. Finda na Espanha os 40 anos do franquismo e o rei Juan Carlos traz a monarquia de volta. Em Nova York, o night club Studio 54 comanda intermináveis noites de sexo, drogas e rock’n’roll. O papa do pop Andy Warhol lança a revista Interview, o enjoativo grupo Eagles emplaca o hit Motel California, surge o gato Garfield, Zezé Motta estréia como cantora em show bastante elogiado, as Frenéticas sacodem as pistas, Maria Bethânia vende um milhão de cópias de Álibi, Bob Marley lança Kaya e Eric Clapton canta o hino da época: Cocaine.

O planeta havia perdido completamente o estado de sonho e avançava com fúria na direção da próxima década. Ninguém mais poderia parecer delirante, incompetente ou displicente. Iniciava-se um tempo de profissionalização extremada, exibicionismo e consumismo. Com o fim dos pacatos hippies, chegavam os vorazes yuppies.

Atenta a tantos zigue-zagues, Gal Costa excursiona em abril com Caetano Veloso pela Europa. Depois, faz reviravolta de 180 graus na carreira com o disco Água Viva. Ninguém previa que a ex-musa do desbunde resolvesse um dia cantar sambas-exaltação (Olhos Verdes), boleros sedutores (Folhetim) ou que viesse a se envolver com autores ausentes de seu repertório habitual (aqui entravam Chico Buarque, Ivan Lins, Gonzaguinha e Milton Nascimento).

Com distanciamento crítico, é possível agora entender como Água Viva determinou uma guinada radical na ascensão profissional de Gal Costa. Foi o trabalho que a impulsionou a grandes públicos, apresentou maiores vendagens (o seu primeiro Disco de Ouro) e tornou possível registrar a sua voz em composições desvinculadas da herança tropicalista.

O repertório do disco proporcionou, ainda, base para o show Gal Tropical, estreado em janeiro seguinte. Dirigido por Guilherme Araújo, com figurinos de Guilherme Guimarães e aparato cênico luxuoso, o espetáculo foi saudado pela crítica como "magnífico" e levaria Gal ao posto de cantora de enorme alcance popular.

Eduardo Logullo


1979

Euforia: aproximava-se o final da década, chegava a possibilidade da abertura política e havia um ritmo incessante de festa no ar. Gilberto Gil compôs a melhor trilha do período, no dançante álbum Realce. Alguns setores musicais, com o compositor Antonio Adolfo à frente, começavam a optar pela independência das grandes gravadoras. Por outro lado, Rita Lee fazia nova paródia aos nomes famosos da MPB em Arrombou a Festa II.

Gal Costa emplacava outro Disco de Ouro com Gal Tropical, produzido com parte do repertório do show estreado em janeiro. Na seqüência, o espetáculo viajaria por mais de oitenta cidades brasileiras e a levaria no ano seguinte a turnês internacionais por Europa, Ásia, Estados Unidos e América do Sul. Seu rosto surgia em capas de revistas como uma artista finalmente reconhecida como definitiva. Caetano Veloso, no disco Cinema Transcendental, lançado nesse ano, chega a citar "Gal cantando Balancê" nos versos de Trilhos Urbanos.

Ventos bons sopravam em algumas direções. O AI-5 era extinto pelo presidente João Figueiredo, os Estados Unidos e a China reatavam relações diplomáticas, o projeto da anistia política era aprovado em Brasília e os sandinistas derrubavam Anastazio Somoza na Nicarágua. O rock ganhava contornos críticos, cínicos e ácidos. O arrojo de bandas como Blondie, Devo, The Clash, The Police e The B-52’s faziam contraponto ao som disco de Donna Summer. O planeta queria diversão, música de qualidade e prazer, oh yeah.

Eduardo Logullo


1980

No início da Era Reagan, o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva era preso no Dops de São Paulo. Morriam Cartola, Vinícius de Moraes, Helio Oiticica e Alfred Hitchcock. Com milhares de idéias na cabeça e um horário jovem na mão, Nelson Motta comandava na TV Bandeirantes Mocidade Independente, programa que revelaria ao grande público nomes como Lulu Santos, Gang 90, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Eduardo Dusek. A rapaziada moderna dos anos 80.

Gal Costa permanecia on the road, ainda excursionando com o mega-sucesso de Gal Tropical – show apresentado em ginásios lotados pelo Brasil afora. Seu empresário Guilherme Araújo e a gravadora Polygram optam por gravar um disco temático e que interferisse pouco na disputada agenda da cantora. Sai em outubro o álbum Aquarela do Brasil, voltado à obra de Ary Barroso. Também Disco de Ouro, o LP tem a participação de Caetano Veloso na faixa Na Baixa do Sapateiro.

Mas 1980 acabou com um tiro que permanece ecoando na memória de todos. No dia oito de dezembro, Jonh Lennon era assassinado em frente ao prédio em que morava no Central Park, Nova York. E viva Yoko Ono!

Eduardo Logullo


1981

Agora elevada à potência de estrela de primeira grandeza da MPB, Gal entra poderosa na década de 80. A Rede Globo, que produzia a série de especiais Grandes Nomes, viria a apresentar em março, um mês depois de exibir João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, o antológico Maria da Graça Costa Penna Burgos, quando Gal e Elis Regina cantaram juntas pela primeira vez. O duelo de titãs, dirigido por Daniel Filho, aconteceu nas canções Amor até o Fim, Estrada do Sol e Ilusão à Toa.

A maior parte da agenda de Gal no primeiro semestre foi ocupada por viagens internacionais. No Japão, por exemplo, apresentou-se sold out em cerca de dez cidades. O jornalista Nelson Motta acompanhou esse roteiro e relata no livro Noites Tropicais o assombro diário das platéias nipônicas. Em julho, ela e Guilherme Araújo montam Fantasia, estreado no Canecão, Rio de Janeiro. Pensado como homenagem aos musicais e ao teatro de revista, surgiam até coristas dançando com máscaras que imitavam o rosto sorridente da cantora. O show foi recebido com frieza na estréia, além de gerar críticas um tanto azedas.

Sem ligar a esses contratempos, Gal insistiu em manter o nome Fantasia no LP que lançaria em novembro – que, por ironia, seria o maior sucesso de toda a sua carreira. As rádios tocaram à exaustão o frevo Festa do Interior, de Moraes Moreira e Abel Silva. O disco trazia, ainda, entre outros hits, Açaí (Djavan) e Meu Bem, Meu Mal (Caetano Veloso).

Naquele momento, Gal e o disco Saúde, de Rita Lee, eram as únicas unanimidades brasileiras. Para celebrar momento tão intenso na sua carreira, Waly Salomão foi convocado para dirigir Festa do Interior, espetáculo que estreariam em janeiro seguinte.

No saldo final, 1981 trouxe a morte de Glauber Rocha, o casamento de Lady Di com o príncipe Charles, o atentado à bomba no Rio Centro, o disco Brasil (com Bethânia, Gil, Caetano e João Gilberto) e um certo temor pelo que poderia vir pela frente.

Eduardo Logullo


1982

Com os 1.700 lugares e corredores laterais do Teatro Castro Alves, em Salvador, inteiramente tomados, Gal Costa iniciava, no verão de 1982 a turnê do show Festa do Interior. O espetáculo, impulsionado pelo estrondoso sucesso do disco Fantasia, fora concebido por ela e Waly Salomão, que assinava a direção. Era um show de muitos efeitos de luz, figurinos ricos e constante movimentação cênica. Muitos consideravam de forte impacto o momento em que Gal cantava Tapete Mágico, sobre um praticável iluminado por luzes baixas que sugeriam flutuação física.

Em maio, Gal cumpriu uma sequência de shows em Israel, com apresentações entre Tel-Aviv e Jerusalém. Viajou acompanhada por sua mãe, Mariah Costa Penna, e mostrou Festa do Interior para grandes platéias.

Mas como sempre acontece na carreira de Gal, o sucesso fácil e contínuo cede lugar a outras experimentações, contenções e reviravoltas. Gal decide não continuar na linha dos mega-sucessos populares e prepara um disco quase antagônico ao anterior, inicialmente pensado para se chamar Azul, mas que sairia entitulado de Minha Voz.

O período era meio de ressaca geral, com o país e a MPB ainda sem compreender a perda de Elis Regina, ocorrida a 17 de janeiro desse ano, seguida por uma campanha difamatória e reacionária da grande imprensa, que amplificava a morte da cantora como A Tragédia da Cocaína, de acordo com a capa de uma revista de grande circulação.

O disco Minha Voz, lançado em novembro, alternava, assim, registros delicados (Minha Voz Minha Vida, Solar, Dom de Iludir, Verbos do Amor, Luz do Sol, Azul), dois frevos dançantes (Pegando Fogo e Bloco do Prazer), a primeira vez que gravava Tom Jobim (Borzeguim), mais uma canção definitiva de Waly Salomão com Gil para Gal: Musa Cabocla (Mãe matriz da fogosa palavra cantada / Geratriz da canção popular desvairada / Sou pau de resposta / Jibóia sou eu / Canela).

O colombiano Gabriel Garcia Márquez, em 1982, ganha o Nobel de Literatura. Maria Bethânia lançava Ciclo, Gilberto Gil vinha com Luar e Djavan fazia de Samurai um hit do disco Luz. Morriam Adoniran Barbosa e o diretor de cinema alemão Rainer Werner Fassbinder. A Argentina, em lance súbito de patriotada, invade as Malvinas, território inglês conhecido por Falklands, começando um dos embates tragicômicos do século 20. No cinema, Dustin Hoffman era Tootsie e Meryl Streep fazia Sofia’s Choice. O cinema brasileiro dividia-se entre Pra Frente Brasil, de Roberto Farias, e O Segredo da Múmia, de Ivan Cardoso.

Eduardo Logullo


1983

Enquanto nas rádios do planeta o The Police arrebentava com Every Breath You Take, saía o disco Baby Gal, um registro de aspectos retrô e que assinalaria mudanças em breve. Gal Costa era acompanhada em algumas faixas pelo grupo Roupa Nova (que também a acompanhara em Solar, do disco anterior), gravava Chico Buarque (Mil Perdões), Moraes Moreira (Bahia de Todas as Contas) Tunai (Eternamente) e uma bonita revisão de Baby, de Caetano Veloso, composição que fora seu maior êxito no fim dos anos 60. O disco resultou na montagem do show com o mesmo nome, que estrearia em janeiro seguinte com turnê a várias capitais brasileiras.

Foi também em 1983 que Gal recebe de Tom Jobim um convite inesperado: dividir com ele os vocais da trilha sonora do filme Gabriela, produzido pela Metro com Sonia Braga e Marcello Mastroianni. O disco, com magníficas composições do maestro, seria a primeira parceria artística da posteriormente produtiva dupla Gal/Jobim.

Nesse período morreriam o artista plástico catalão Juan Miró, a atriz Gloria Swanson, o dramaturgo Tennessee Williams, a cantora Clara Nunes e o cantor Altemar Dutra. Lionel Ritchie estourava com All Night Long, enquanto Michael Jackson atingia dois pontos máximos: Billie Jean e Beat It. No Brasil, surgia a primeira vítima da Aids, ao mesmo tempo em que os oposicionistas Tancredo Neves, Leonel Brizola e Franco Montoro assumiam os governos dos três mais importantes estados do país. Marcelo Rubens Paiva lançava seu best-seller Feliz Ano Velho, Maria Bethânia mostrava A Beira e o Mar, o disco Uns trazia Caetano Veloso com homenagens a Tim Maia na canção Eclipse Oculto, e a empresa Apple mostrava um preâmbulo do futuro: a primeira versão do personal computer Lisa.

Eduardo Logullo


1984


No ano-chave do romance fatídico do escritor George Orwell, o mundo não se acabou, mas o planeta ficou inteiramente polarizado entre forças contrárias. De um lado, o conservadorismo a quatro mãos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan impulsionava todas as formas de radicalismo, significando mais bombas, mais ataques terroristas e opiniões inconciliáveis. Indira Gandhi morre assassinada na Índia. Lord Moutbaten é morto pelos radicais do Ira, o Exército de Libertação da Irlanda do Norte. Rupturas súbitas, guinadas inesperadas, confrontos que começaram ali para permanecer ainda hoje. No Brasil, um milhão de pessoas se reunia no Rio de Janeiro para exigir eleições diretas. A ditadura militar, então há 20 anos no poder, fenecia.

Mas 1984, ano em que Gal estreava seu "Baby Gal" em janeiro, também traria outro turbilhão de audácias estéticas. A década de 80 passava a delinear de vez seu estilo liberal e profundamente autoral, entre cores artificiais, erotismo futurista e mensagens diretas. Tão diretas quanto o disco Profana, lançado por Gal Costa também em 1984. Profana, título extraído da canção Vaca Profana, de Caetano Veloso, marca outra mudança de rota na trajetória de Gal Costa, que, além de voltar para a sua primeira gravadora, surgia de cabelos cortados, figurinos de tecido sintético e repertório surpreendentemente discursivo. Leite bom para quem merece, leite mau na cara dos caretas.

Ao mesmo tempo, despontavam no rock brasileiro os grupos que definiram a sonoridade juvenil da década: Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e Barão Vermelho. O compositor Arrigo Barnabé lançava Tubarões Voadores, e Itamar Assumpção mostrava o seu Isca de Polícia. Era a vanguarda paulistana em cena, plena de dodecafonias, assimetrias harmônicas e rompantes poéticos.

Nas rádios, Madonna cantava Like a Virgin, enquanto Stevie Wonder vinha com I Just Called to Say I Love You. O mundo perdia Marvin Gaye, Count Basie e François Truffaut.

Num balanço final, 1984 jamais poderá ser visto como um ano que some do calendário em brancas nuvens. Pelo contrário. Talvez devesse ser compreendido como o momento mais determinante daquela década tão retumbante.

Eduardo Logullo


1985

No Brasil, os quadros políticos entravam em polvorosa com a rapidez dos acontecimentos: Tancredo Neves, primeiro civil eleito pelo Congresso para a presidir da República depois de 19 anos de militarismo, logo seria internado por motivos médicos ocultos e morreria no dia 21 de abril de 1983. Assume o vice José Sarney, em meio ao panorama pouco animador: inflação galopante, crise institucional, economia informalmente dolarizada e o desemprego com os números alarmantes de sempre. O dólar, então controlado pelo ministro da Fazenda, Dílson Funaro, começava o ano valendo CR$ 3.184 e chegaria em dezembro a CR$ 10.490. Sarney convoca a Constituinte.

Lá fora, tudo azul. New York, New York passava a hino oficial da cidade norte-americana e um bando de artistas poderosos se reunia para gravar We Are the World, a fim de arrecadar fundos para alguma campanha que ninguém mais se lembra direito. Deu em nada. Morriam o cineasta Orson Welles e o ator Yul Brinner, enquanto o público brasileiro acompanhava as peripécias da novela Roque Santeiro. O filme Amadeus vencia o Oscar, Mickail Gorbatchev se tornava líder da União Soviética, Tina Turner animava as pistas com Private Dancer e os grupos de rock surgiam cada vez mais coloridos dentro dos movimentos que compunham as tribos musicais da New Wave.

Bem Bom: Gal Costa apresenta nesse ano um disco forte, coordenado por ela e, mais uma vez, com o sopro instigante do poeta Waly Salomão. O álbum a exibia em excepcional vigor, com voz ligada na potência máxima, corpo malhado, figurinos de tecido emborrachado, repertório jovial e atitude quase roqueira. São dessa fase os clássicos Sorte, Um dia de Domingo (com Tim Maia), Acende o Crepúsculo, Todo Amor que Houver Nessa Vida e De Volta ao Futuro, além de Musa de Qualquer Estação, composta para ela especialmente por Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Eduardo Logullo


1987



1987: um ano relativamente sem muitas novidades para o Brasil e o mundo.

Caetano Veloso, no disco que levava apenas seu nome, perguntava Eu Sou Neguinha? Morriam o poeta Carlos Drummond de Andrade, a cantora Clementina de Jesus e a atriz Rita Hayworth. Maria Bethânia lançava Dezembros, embalada pelo sucesso da canção Anos Dourados. Em Goiânia, era descoberto um vazamento de radiação atômica proveniente de cápsulas de césio 137 deixadas em um terreno abandonado. No Rio, o teatrólogo Luiz Antônio Martinez Corrêa era morto em seu apartamento.

Gal Costa, vinda de um período de contínua exposição (a década de 80 trouxera aceleração e alterações significativas em sua carreira), havia experimentado no ano anterior novos prazeres: cantar nos Estados Unidos ao lado de Tom Jobim. O resultado, o álbum Rio Revisited, primeiramente lançado em países do hemisfério norte, confirmava a sintonia elegante do encontro. Gal, aliás, não lançara discos em 1986, dedicando-se a shows esporádicos e aos encontros com Tom.

Criou-se, nesse ínterim, certa expectativa pelos rumos do trabalho de Gal. E, na direção contrária dos que ainda defendiam a pretendida "linha evolutiva da MPB", ela prepara Lua de Mel Como o Diabo Gosta. Provocativa, Gal surgia de costas na capa do LP, fumando, de cabelos enrolados em uma toalha e com repertório puxado por duas composições de Lulu Santos. A faixa Arara, que abre o disco, avisava: Eu não quero me pertencer / Eu quero ser dos outros. Caso contrário, ela virava uma arara, como aconteceu no lançamento do disco, início de 1988, na casa noturna Scalla, zona sul do Rio. Na noite de estréia, irritada com desacertos no roteiro e no som, ela literalmente empurrou com raiva dois pedestais de microfones do palco, enquanto repetia: Senão, eu viro uma arara, uma arara!

Obviamente a platéia do Rio não entendeu nada, o roteiro (que incluía até a Bachiana Número 5!) foi refeito e a temporada prosseguiria, sem grandes rompantes. Do disco, mesmo citado por Gal como o mais irregular de sua discografia, mantém momentos grandiosos como em Lua de Mel, Sou mais Eu, Todos os Instrumentos e Me Faz Bem. Tons altíssimos, interpretações propositalmente gritadas. Alma de arara, com todo o desfrute a que tinha permissão. Gal queria, podia e fazia.

Eduardo Logullo


1988

Estreado no final de janeiro, o show do disco Lua de Mel como o Diabo Gosta ganhara o nome de Gal Costa em Concerto. As platéias (outra vez?) não entendiam as suas interpretações agressivas, feitas sem concessões, exatamente como aconteceu em 1968/1969. Por acomodação, depois de acostumar-se ao repertório melódico dos discos anteriores, o público preferia pensá-la como cantora linear, não-mutante, acomodada. Gal se sentia cansada, querendo mudanças ainda não detectadas. Cumpriria a temporada, viajaria por mais algumas cidades e optaria por escapulir durante um tempo do circuito de shows, gravadoras e imprensa. Fez participações em discos de outros cantores, alguns recitais no exterior e pronto.

Depois de receber o Prêmio Sharp de Melhor Cantora de 1988, ela continuou atenta aos novos da época, como Cazuza, Lobão ou Lulu Santos. E recebe de Cazuza, Nilo Romero e George Israel a missão de registrar Brasil, um raivoso rock-batucada composto para abertura de Vale Tudo, novela que tentou escancarar os hábitos podres de um país repleto de contradições históricas, econômicas e sociais. A canção, gravada por Gal de modo extremamente incisivo, valia como um manifesto diário.

Acabava-se ali um Brasil ou despontava outro Brasil? As propostas musicais dos anos 80 começavam a se diluir, gerando um marasmo de criação raras vezes observado. As rádios se rendiam de vez à programação comercial, a música sertaneja passava a dominar as prioridades das gravadoras, o mercado se convertia ao dinheiro novo.

Sintomaticamente, em 1988, morreram três artistas que traduziram, cada um de modo intenso, um país de estilo raro: a cantora Linda Batista, que fora onze vezes Rainha do Rádio; a grande dama do samba, Aracy de Almeida; e o comunicador Abelardo Barbosa, o inacreditável Chacrinha. Um trio que fez o Brasil mostrar bem a sua cara.

De meados de 1988 a 1990, Gal Costa sai completamente de cena. Para pensar, pensar e pensar.

Eduardo Logullo


1990


Triunfante é o adjetivo correto para explicar o retorno de Gal Costa, três anos depois do último trabalho.

Começava-se uma década ainda sem face. Sentia-se que haveria a comunhão de etnias, o princípio pacífico da globalização e a necessidade de misturas culturais. A década de 90, portanto, em contraponto ao artificialismo consumista da geração yuppie, correria em busca de valores espirituais, ancestrais, renovadores e simplificadores. Tecidos crus, aromas cítricos, alongamentos, tecnologias recentes, redes de computadores interligados, meditações: a new age seria viável? Talvez. Ninguém previa a avalanche provocada pela "economia de mercado", da metade da década em diante.

Nelson Mandella era libertado na África do Sul, depois de 27 anos de prisão. A produção Dançando com Lobos tocava fundo as platéias de cinema. O Iraque invadia o Kuwait. Zélia Cardoso de Mello, emblema da famigerada administração do recém-empossado Fernando Collor, invadia a poupança dos brasileiros -- no ato mais descabido de toda a história da economia nacional. As duas Alemanhas se reunificavam. Grandes divas se calavam para sempre: Elizeth Cardoso e Sarah Vaughn. Surgiam no Japão os primeiros telefones celulares à venda. O planeta louvava a world music, com a cabo-verdiana Cesaria Évora sendo descoberta, descalça e luxuosa, nos palcos de Paris.

Todos os formatos de manifestação artística pareciam conviver em certa harmonia. Aliás, harmonia seria um termo de uso corriqueiro nos anos 90. Foi quando Gal convocou, pela quinta vez em sua carreira de cantora, o poeta Waly Salomão. Juntos pensariam repertório para disco e show novos, com estréia marcada para o primeiro semestre de 1990. No meio do caminho, no dia sete de julho, a morte de Cazuza. Prevista, anunciada, sabida, mas jamais aceita.

O álbum Plural teve lançamento em março. Trazia capa da dupla Luciano Figueiredo e Oscar Ramos, uma louvação escrita por Waly (Rascunho de Diva) e produção do saxofonista Leo Gandelman. Plural pode – e deve – ser situado entre os cinco trabalhos essenciais de Gal Costa. Embaralhava Olodum, Arnaldo Antunes, Evaldo Gouveia, Caetano Veloso, João Bosco, Carmen Miranda, Cole Porter, Carlinhos Brown, João Donato, Antonio Cícero e Marina Lima. Bomba sonora de muitos megatons.

O show Plural, estreado em junho, amplificaria de modo espantoso a concepção inicial de Waly Salomão. Cada trecho do espetáculo, o primeiro inteiramente produzido pela cantora, contribuía para formar um crescendo contínuo, inteligente e perspicaz. Dos momentos iniciais, com Gal acompanhada pelo violão de Rafael Rabello, à procissão final dos percussionistas do Olodum, o show mostrava um turbilhão de referências: Villa-Lobos, Modernismo, Tropicalismo, negritude, brasilidades, Abaporu, candomblé, Caribe, Caribé, Nordeste, Jacarepaguá, Glauber Rocha, Tarsila do Amaral, Bob Marley, rumba, reggae, urbanidades, serestas, sonhos e luares. Gal se inseria no espetáculo quase integrada à concepção cenográfica e à nua idéia das canções. Em figurino marrom, tosco e opaco, ela "recebia" entidades plurais, encerrando o tour-de-force com um cone de pano africano na cabeça. Cabeluda, cabeleira, descabelada.

Plural foi assistido, em seu formato original, na Europa e na América Latina. Em Buenos Aires ficou dois meses em cartaz no Teatro Grand Rex, assistido por platéias em atitude de veneração. Gal era aclamada até quando saía às ruas da capital argentina. Plural, por onde passou, trouxe as maiores demonstrações de prestígio que Gal já recebera.

O ano de 1991 foi voltado a cumprir as temporadas do espetáculo. O violonista Rafael Rabello seria substituído por Marco Pereira, músico com quem Gal esteve casada durante um determinado período. A verdadeira baiana transmudava o mundo.

Eduardo Logullo


1992

Ano descrito pela Rainha Elizabeth II como Annus Horribilis, 1992 foi quando o mundo viu o casamento do Príncipe Charles com Lady Diana Spencer vir abaixo. Mas horrível mesmo foram os 111 detentos mortos no massacre do Carandiru, episódio que em 1993 seria sucesso de bilheteria, filmado por Hector Babenco. Morriam também Isaac Asimov, Astor Piazolla, o escritor Otto Lara Resende, e os atores Paulo Villaça e Daniela Perez.

Depois de estrear Plural em 1990, Gal Costa enfrentou um ano e meio em turnês do espetáculo, sem lançar discos nesse intervalo. E foi com seis músicas extraídas do repertório original do show dirigido por Waly Salomão, mais oito composições escolhidas junto ao produtor Mazzola e ao violonista Marco Pereira, que surge o disco Gal.

A produção despretensiosa ressalta registros fortes de uma seleção voltada a aspectos do sincretismo baiano (Comunidá, É d’Oxum, Raiz, Revolta Olodum) e reverências a mestres (Cartola, Jobim, Noel, Porter). Vocais soberbos da cantora, em ponto de bala depois da intensa fase de pluralização rítmica.

Ainda nesse ano, ela faria aparição inesperada em duas apresentações do violonista Marco Pereira, no pequeno Teatro do Hotel Crowne Plaza, em São Paulo. Gal, de óculos, cantou Triste Cuíca, de Noel Rosa.

Eduardo Logullo


1993


A bagunça do (des) governo Collor começava a baixar a bola, depois da renúncia presidencial no final de dezembro. Assumia o governo o vice Itamar Franco, que logo convida Fernando Henrique Cardoso para ocupar o Ministério da Fazenda. Na seqüência, Paulo César Farias, o PC, homem que controlava as finanças do esquema Collor, seria preso em Bangkok e deportado da Tailândia para o Brasil. Morriam Federico Fellini, Audrey Hepburn, Grande Otelo, Isaurinha Garcia e Lúcio Alves, todos grande nomes. A chacina da Candelária horroriza o mundo ao revelar o grau de violência presente na sociedade brasileira.

Em 1993 Gal Costa também perderia sua mãe, a escritora Mariah Costa Penna, figura próxima em todas as fases de sua vida, amiga, parceira e incentivadora. Parte da gravação do disco O Sorriso do Gato de Alice aconteceram em Nova York nessa mesma época, com Gal bastante abalada, mas obrigada a acompanhar mixagens e, em algumas faixas, colocar voz.

Talvez por esse contexto difícil -- e também devido à produção inteligente de Arto Lindsay -- o disco se revelou um dos mais belos de Gal. Canções perfeitas, arranjos exatos e interpretações emocionantes vão garantir a O Sorriso do Gato de Alice vida musical longa. Caetano Veloso compôs duas músicas de safra rara (Bahia, Minha Preta e Errática), Gilberto Gil também se esmerava em outras duas (Você e Você e Lavagem do Bonfim), enquanto Jorge Ben Jor produzia três dinamites (Bumbo da Mangueira, Alcahool e Eu Vou lhe Avisar) e Djavan ganhava a música mais trabalhada (Nuvem Negra) desse CD irretocável.

Gerald Thomas, pouco depois, foi chamado por Gal para dirigir o show de lançamento do disco, no Rio de Janeiro. Mais uma vez as platéias cariocas conservadoras recebem mal as propostas cênicas do diretor, que, depois de vaiado, reage com gestos e caretas. Críticas na imprensa lamentavam ver a cantora "tolhida", "mal aproveitada" e outras tolices. Restaria ainda o grande escândalo de a blusa de Gal ter se aberto e exibido os seus seios, durante a apresentação da música Brasil. A foto foi publicada com destaque no país inteiro, gerou enquetes, discussões, ataques, crônicas e defesas. Gal Costa seguiu de peito aberto e cabeça altiva.

O Sorriso do Gato de Alice chegou a São Paulo já com a aura de montagem incomum. O público paulistano lotava o Palace para ver a cantora escalando um telhado íngreme, cantar sentada no chão, usar figurino semelhante a uniforme de operária e provar porque era a maior voz do Brasil. Show seco e emocionante, límpido e rascante. Espetáculo assustador em sua solidão cênica, que fazia Gal lembrar um felino solto pelas madrugadas.

Eduardo Logullo


1995

Gal Costa saía de longo descanso profissional, depois de escolher não lançar discos ou estrear shows no ano anterior. A única concessão foi cantar na apresentação única dos Doces Bárbaros na quadra da Mangueira, em janeiro de 1994, e participar do desfile da escola de samba, que homenageava o quarteto baiano em seu samba-enredo daquele Carnaval. No mais, Gal ficou no bem-bom e na preparação de próximo trabalho, voltado a Caetano Veloso e Chico Buarque.

O CD e o show Mina D’água do Meu Canto retomava um percurso que ela desenvolvera em 1976 e 1980, nos discos dedicados às obras de Dorival Caymmi e Ary Barroso, respectivamente. Cantar Chico Buarque seria para Gal uma forma de agradecimento ao compositor que fora, desde 1966, um dos maiores defensores de sua voz nos meios musicais – além de evidenciar a grandeza dele como criador determinante na MPB do século 20.

Cantar Caetano era estar em casa, junto ao repertório do compositor com quem dividiu o primeiro disco, as primeiras emoções, os primeiros sucessos e as primeiras descobertas. Caetano é o autor mais gravado por ela e, exceto nos discos de repertório temático, suas composições estão presentes, novas ou não, em toda a discografia da cantora. E Mina d’Água trazia apenas uma inédita dele: Como um Samba de Adeus, tocante tema de despedida para Tom Jobim.

O show mostrava a faceta "diva" de Gal Costa: recital contido, em tons discretos e elaborado segundo concepção dela. O espetáculo viajou pelas principais capitais brasileiras e levou Gal a gravar seu primeiro videoclip para a MTV, com Odara, em produção cênica inspirada no flower power.

A década de 90 chegava à metade, sem outras novidades além da informática começar a dominar tudo. Bill Gates naquele ano era considerado o homem mais rico do mundo. Morriam personalidades como Lana Turner, Ivon Cury, Paulo Gracindo e Dean Martin, parecendo que já pertenciam a um planeta antigo, pré-computadorizado e aparentemente todo feito em preto-e-branco.

Eduardo Logullo


1996

Depois de encerrar as turnês do show Mina d’Água do Meu Canto (que também avançaram pelo exterior), Gal Costa anuncia que voltaria em breve a morar em Salvador, desistindo por completo de um período de isolamento em Trancoso, sul da Bahia.

O retorno da filha pródiga viria a coincidir com o convite de Caetano Veloso para participar do disco da trilha do filme Tieta, toda composta por ele a pedido do diretor Cacá Diegues. O resultado é esplêndido e pode ser incluído entre as melhores canções feitas para cinema no Brasil.

E como coisa boa não se esconde, os dois estréiam um espetáculo baseado no CD, ao lado do grupo de percussão Didá Banda Feminina. Show de poucas apresentações, mas de enorme intensidade musical, trazia aspectos solares da música baiana jamais vistos com tamanho bom acabamento. Ritmo, alegria, esperança, mistério, romance: êta, êta, êta, é a luz de Tieta.

Eduardo Logullo


1997

O planeta começava a pulsar mais forte com a proximidade da virada do milênio. Fagulhas de ansiedade cortavam o ar. O ano de 1997 foi o auge da TV a cabo e o ápice da linguagem acelerada de videoclip. De lá para cá ocorreu certo cansaço, uma espécie de aborrecimento gradativo, além de alterações contínuas nos padrões estético-musicais. Falava-se então muito em globalização, Hong Kong era devolvida à China, morriam Lady Di e Jacques Costeau. Em Salvador, o artista plástico Carybé partia para se juntar a seus orixás queridos.

A emissora MTV, que atravessava o período mais criativo desde sua chagada ao Brasil, convida Gal Costa a participar da série de programas Acústico – logo programado pela gravadora BMG para ser lançado também nos formatos CD, VHS e DVD. E ela entrega a direção-geral a seu primeiro empresário, Guilherme Araújo, no espetáculo que trazia participações especiais (Luiz Melodia, Roberto Frejat, Herbert Vianna e Zeca Baleiro), além das cordas da Orquestra Petrobrás.

Essa conjunção artística foi altamente positiva, com bons aspectos promocionais e repertório bem pensado. O CD vendeu cerca de 600 mil cópias e Gal excursionou por 19 meses, viajando a 11 países e a mais de 50 cidades brasileiras.

Eduardo Logullo


1998

Morria nesse ano uma figura emblemática dos anos 60: o escritor Carlos Castañeda, autor de livros escritos nas florestas tropicais sob efeitos alucinógenos do cogumelo peyote. Em títulos como Viagem a Ixtlán ele fez a cabeça de muitos jovens daquela geração. Agora, em tempos de materialismo, música eletrônica e informática, a viagem era completamente outra.

Ocorria então o boom mundial da internet, com a multiplicação de provedores e de empresas voltadas ao explosivo e milionário segmento. A humanidade não seria mais a mesma, havia certa esperança de futuro. No Brasil as coisas não ficavam atrás, com a estabilidade monetária do real e a paridade da moeda nacional em relação ao dólar.

Dois símbolos importantes do século 20 também desapareceriam em 1998: o cantor Frank Sinatra, The Voice, o intérprete que semeou romantismo por décadas seguidas; e o urbanista Lúcio Costa, mentor da arquitetura moderna no Brasil, inclusive Brasília.

E na erupção da novíssima era computadorizada, Gal Costa não perde tempo e vai ver de perto as mudanças. Primeiro, decide lançar seu site oficial. Segundo, grava um CD de base eletrônica e arranjos cintilantes, produzido por Celso Fonseca. O disco se chama Aquele Frevo Axé. Tocou pouco, vendeu pouco, é pouco conhecido e, pena, era muito bom. Aliás, continua ótimo.

Gal ousava ali ao registrar uma raridade de Tim Maia, (Que Beleza), mais canções em escalas difíceis, de José Miguel Wisnik, Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Moreno Veloso, Herbert Vianna, entre outros. Esse trabalho chegou a ser programado para estrear em show, mas Gal mudaria de planos logo à frente. Antes de 1998 se encerrar, ela passou a delinear o projeto de cantar Tom Jobim. O ano seguinte seria inteiro dedicado a ele.

Eduardo Logullo


1999

Como será o próximo milênio e o próximo século? O século começará em 2000 ou em 2001? Haverá o bug do milênio, com os leitores de datas enlouquecidos? A globalização levará o planeta a uma coexistência pacífica entre as nações ou à exaustão de recursos naturais? Qual foi o rescaldo dos últimos cem anos e dos últimos dois mil anos? Dá para misturar no mesmo link coisas tão díspares como Nostradamus, Bill Gates, Cristo, Coca-Cola, Alá, Mangueira, Bora-Bora, pitanga, Tóquio, vodka e os manos da periferia paulista?

Foi assim, no meio desse maremoto de indagações, que Gal Costa aponta seu trabalho na direção de um porto seguro: Tom Jobim. Idéia perseguida há tempos, idéia que seria posta em prática de imediato. Houve quem considerasse anacrônico a um artista como ela, que sempre havia topado os desacertos de seu tempo, ir buscar refúgio na bela viola da Bossa Nova. Parecia, mas não era.

Decisão tomada, decisão acertada. É convocado o diretor José Possi Neto para a direção do espetáculo, que traria ares de recital, com iluminação detalhista e roteiro em cima dos clássicos jobinianos. Figurinos diáfanos, cenografia difusa, arranjos feitos para destacar a voz da intérprete.

O show estréia em São Paulo, onde também é gravado o CD duplo ao vivo e um DVD. O disco Gal Costa Canta Tom Jobim ao Vivo não segue o roteiro original da montagem, por decisão do produtor Mazzola.

Destacam-se nesse trabalho os registros primorosos de Derradeira Primavera, Bonita e Por causa de Você. E por causa desse show, Gal viajou durante um ano pelo exterior e grandes cidades do Brasil, sempre se apresentando a grandes platéias. Lá do alto, Jobim aprovava tudo.

Eduardo Logullo


2000


O milênio novo chegara e aquelas interrogações todas do ano anterior continuaram sem resposta. Mas quem se importava mais com isso? Afinal, entre as características marcantes dos novos tempos está a aceleração contínua. O que ficou para trás, ficou.

No Brasil, pelo menos, o otimismo do real custar US$ 1 estava pelas tabelas. Fernando Henrique Cardoso era reeleito, a Europa adotava o euro, Monica Lewisnky levava Bill Clinton aos tribunais e o Brasil comemorava os 500 anos da chegada dos portugueses. Velho mundo novo, novo mundo velho.

Gal Costa entrou pelo segundo milênio adentro com apresentações do recital de Tom Jobim. Em 2000, ela preferiu não gravar. Mas, alto lá, houve, sim, três novidades surpreendentes:
1) A inesperada turnê com Maria Bethânia, para surpresa geral. No show, como não poderia faltar, cantaram Sol Negro, canção de Caetano Veloso gravada por elas em dueto, no disco de estréia de Bethânia, em 1965. Tempo, tempo, tempo.
2) Ainda com Maria Bethânia, Gal se apresentou em Salvador, em noite única que reuniu as duas cantoras e o tenor italiano Luciano Pavarotti. O mega-encontro, para sete mil pessoas sentadas ao ar-livre e debaixo de fina chuva, se encerrava com o inusitado trio cantando Orfeu de Carnaval.
3) Gal e Edu Lobo? Outra novidade no trajeto do ano. Foram apenas oito concertos, quase final do segundo semestre. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá jamais. O ponto culminante desse encontro acontecia em Canto Triste.
4) Antes do ano virar o calendário, dois grandes espetáculos ao ar livre reuniram Gal e o grupo português Madredeus. O encontro da cantora com a vocalista Teresa Salgado foi definitivo. E ponto parágrafo.

2000 ainda foi o ano em que morreram o violonista Baden Powell, o flautista Jean-Pierre Rampall e o ator italiano Vittorio Gassman. A canção Yesterday, dos Beatles, foi eleita pomposamente como A Música do Século.

Tempos, tempos, tempos.

Eduardo Logullo


2001


2001: esse ano traria aura mítica e mística, lembrando de cara o título do filme 2001, uma Odisséia no Espaço, dirigido em 1968 por Stanley Kubrick. Longe se iam aqueles bons tempos de acreditar em futuros cibernéticos, viagens a outras galáxias e túneis do tempo.

A euforia de a humanidade estrear um milênio novo já se arrefecia e, aos poucos, o panorama voltava ao normal. Algo mudou? Só no calendário. Nas economias preponderantes do mapa-múndi, a direita afinava seus saltos altos, a partir do texano George W. Bush entrando em cena para dirigir o país mais poderoso do planeta. País do qual ele nunca havia, até então, colocado os pés para fora. Na Inglaterra, o garoto trabalhista Tony Blair se fingia de defensor dos fracos e oprimidos. Na Espanha e na Itália, dois primeiros-ministros francamente reacionários e conservadores.

No Brasil a era FHC já não brilhava tanto quanto antes e pipocavam nítidos núcleos de apodrecimento político. Não se sabia mais quem era do lado de lá, quem estava acima, quem vinha para o lado de cá, quem descia, quem se remexia. O debaixo desce e o de cima, sobe? Ausência de ideologias, ausência de afinações éticas. 2001, uma Odisséia no Vazio. Amigos iam, aves piam, amigos pairam, bobagens flutuam, amigos ficam. Salve simpatia. Who cares? E por fidelidade a parcerias antigas, Gal Costa decide dar as caras a bater na área política da Bahia. Seu gesto de apoio apenas lhe trouxe aborrecimentos, além da perseguição implacável da mídia que a faria retardar todos os planos artísticos naquele momento.

Na segunda metade desse ano complicado, passada a nuvem negra, Gal lança seu último trabalho na BMG. Um disco elegante, retraído, de intérprete pronta a revisar a própria obra: De Todos Amores. Luzes sobre luzes antigas. Filme, fumo, fumaça. Saudades, felicidades, imagens, em produção de Daniel Filho e Wagner Tiso. A capa e encarte, fotografados por Mario Cravo Neto, com a cantora envolta em lenços de seda que lembravam os parangolés de Hélio Oiticica, já valeriam o disco.

Mas esse foi talvez o CD de lançamento mais traumático na carreira de Gal. A imprensa continuava amarga, rancorosa. Ela engoliu tudo quieta, na dela, olhando o mar. Burro foi quem não gostou. Ataques às vezes produzem retrações, elucubrações e avanços. Será que você não sabia? Nunca saberá? Tudo ali sabia fortemente a poesia, aos dias e às ondas do mar.

Setembro, 11: explodem as duas torres do World Trade Center em Nova York. E o mundo muda, o mundo fica mudo, o mundo se transmuda. Outro mundo. Agora, realmente nada mais será como antes. Vai ter, vai ter que ser faca amolada em todos os sentidos. Leste-oeste, sul-norte. Globalização seria isso?

Morriam Jorge Amado, Mario Covas, Maria Clara Machado e George Harrison. O clima pesado do restante do ano não impulsionaria Gal a montar espetáculos. O músico Herbert Vianna caía de um ultraleve em acidente que quase o leva à morte. Mas, sem trazer sentido cronológico a esse relato impressionista do período, vale citar que nesse ano Gal arrebentou na abertura da novela Porto dos Milagres, em composição de Dory Caymmi incluída no CD De Todos Amores: a tão bonita Caminhos do Mar. Na certa, eles a ressuscitarão.

É o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.

No dia 29 de dezembro subia aos céus Cássia Eller.

2001 de tantos dissabores.

Eduardo Logullo


2002

O ano se abria mais leve e com bons ventos, apesar da ameaça de guerra no Oriente Médio. Doze países na Europa adotavam o euro, moeda que já competia com o dólar. A rainha Elizabeth II condecora como Sir o cantor Mick Jagger. No Rio, os comandos do tráfico assassinam cruelmente o jornalista Tim Lopes.

Gal Costa havia encerrado seu contrato com a BMG, gravadora em que estava desde 1984. E logo assina com o selo Abril Music, acompanhando a tendência mundial de muitos artistas importantes: acabar a filiação artística às grandes labels multinacionais.

O que Gal queria em 2002? Cantar, cantar, cantar. Quem canta espanta males próprios e de todos em volta. Ela então começa a se apresentar, por poucas vezes, com um show que servia de laboratório para o repertório novo. Em São Paulo, no Parque do Ibirapuera, incluiu clássicos de seu repertório, como Jóia, Avarandado, Minha Voz e até apostou em lances inesperados como Cabelo Raspadinho, de Tenison Del Rey e Edu Casanova. Algo novo viria por ali.

No início do segundo semestre o I Prêmio Caras de Música a escolhe como homenageada do ano. Na noite da premiação, no Rio de Janeiro, Gal se apresenta no palco da Vila Riso com alguns convidados. Entre eles, Gilberto Gil.

Vem então no segundo semestre o CD Bossa Tropical, produzido pela MZA e distribuído pela Abril Music. E dessa vez houve uma rendição da crítica em relação à cantora. O disco, despretensioso e alegre, com poucos músicos e basicamente acústico, a mostrava como intérprete interessada apenas em se expressar. Um passeio de timbres e possibilidades, como só Gal seria capaz de topar. De Marcianita a Ovelha Negra, de Arnaldo Antunes a Beatles, de Riachão a Caetano Veloso. Salve o prazer.

Em dezembro ela se junta mais uma vez aos Doces Bárbaros, em dois espetáculos únicos da série Pão Music, no Rio de Janeiro e São Paulo. Gal encerrava o ano em boa forma, cantando o que queria e do jeito que desejava. Conquistas definitivas e que viriam para durar.

Logo a seguir, Gilberto Gil aceita o convite do presidente eleito Lula da Silva para atuar como Ministro da Cultura no governo que seria empossado a 1º de janeiro de 2003. Sopros de ânimo e esperança.

Eduardo Logullo


2003

O que foi 2003? No mundo corriam discussões sobre ética, perdas étnicas, avanços ilegais, atropelos de ideologias, embaraços políticos, esquentamento da temperatura global, impaciência, o espetáculo da guerra e perspectivas de um futuro meio azedo.

No Brasil, em contraponto, sobravam esperanças, reformas, revisões de programas, comemorações populares, política participativa em alta e milhares de planos para se abrir os braços e fazer um país. Lula chegava ao poder, revestido por uma aura de apoio jamais vista no país. O planeta inteiro voltava os olhos para cá.

O cinema brasileiro atingia um ciclo de maturidade, com platéias que competiam com os grandes lançamentos. Musicalmente, também foi um ano peculiar: Caetano Veloso cantou na cerimônia do Oscar, surgiu Maria Rita para alegrar os órfãos de Elis Regina, Elza Soares atacou em outro trabalho radicalmente eletrônico, Maria Bethânia gravou um CD semi-experimental (Brasileirinho), Bebel Gilberto subiu de vez ao trono que fora do país pertenceu há décadas a Sérgio Mendes e Gal Costa se apresentou pela décima vez no Carnegie Hall, em Nova York.

Nessa avalanche de euforia, ela preparava um show que marcaria sua carreira, o momento histórico do país e a força da maior música popular do mundo. Porém, duas semanas antes da estréia do espetáculo, que trazia Bia Lessa na direção, surgiram problemas relacionados ao apoio da sua nova gravadora, Indie Records, e decidiu-se pelo adiamento da estréia. O ano findava e restou a Gal apenas cumprir o contrato, gravando o novo CD: Todas as Coisas e Eu.

Esse disco de alcance arrojado -- e que revela momentos de rara grandiosidade -- ainda não foi devidamente assimilado em sua missão recente de fazer rebrilhar relíquias musicais que andavam fora de circulação. Gal reaparece cheia de agudos, avança por arranjos ora acústicos, ora de batida eletrônica, a deslizar seu tapete mágico sobre quase 20 canções que permanecem grudadas na memória da raça.

Quem desconhece Linda Flor, Brigas, Nervos de Aço, Ave Maria no Morro, Kalu, Folhas Secas ou Alguém como Tu?

Afinal, tolo é quem desconhece o poder de Gal Costa.

Eduardo Logullo


2004


Esse foi o ano em que a humanidade ganhou noção de estar mesmo em outro século. Não ocorreram mudanças de comportamento determinantes, nem foram apresentados avanços significativos no desequilíbrio mundial. Contudo, atmosferas artificiais de otimismo nos fizeram acreditar na retomada da idéia de futuro.

Primeiro, o mundo confirmou ter chegado irremediavelmente à era digital. Depois de uma década de crescimento contínuo nos mercados abertos a novas tecnologias, muitas novidades de informática, de serviços a produtos, foram lançadas com sucesso. O Firefox, por exemplo, navegador gratuito de código aberto, entrou na briga mundial dos softwares alternativos, obrigando os concorrentes a gerar novidades imediatas. Logo no primeiro mês, atingiu cerca de cinco milhões de usuários.

Google, o maior buscador da web, lançou o seu G-Mail gratuito com recorde de armazenamento, levando os outros provedores a oferecerem opções semelhantes. O Google também passou a abrigar o Orkut, a mais extensa rede mundial de relacionamentos. O I-Pod, da Apple, se firmou como objeto de desejo para milhões de consumidores, em disputa com similares menos caros. Chegamos ainda em 2004 à tecnologia do Blue Tooth e do Wireless. A telefonia celular se conectou de vez à internet, enquanto câmeras digitais viraram acessórios de alcance mais popular.

Para combinar com tons de vida acelerados, 2004 levou o hip hop a atingir seu ponto máximo de execução, transformando-se em trilhas de campanhas comerciais, vinhetas eletrônicas e shows para mega-platéias. No Brasil, a onda de música negra urbana produziu estrelas do rap como Negra Li, Black Alien e Helião. Rainha do funk dos subúrbios cariocas, Tati Quebra-Barraco foi outra figura que esteve em alta.

No planeta, avanços por um lado, conservadorismos por outro: o republicano George W. Bush vence o democrata John Kerry, garantindo mais quatro anos de governo direitista na Casa Branca. Ao mesmo tempo, o presidente norte-americano chegou a ser recebido em Nova York por protestos que reuniram 250 mil pessoas em Manhattan. Meses depois, o Pentágono admitia não ter encontrado armas nucleares no Iraque. Na seqüência, explodia o escândalo das fotografias do presídio de Abu Graib, em que os soldados de Tio Sam torturavam prisioneiros de guerra em Bagdá.

Tiros daqui, destruição ali e a barra fica pesada em Madri. A capital da Espanha sofre, no dia 11 de março, uma série de atentados a bomba que matam 191 pessoas. A autoria das ações foi assumida por grupos extremistas islâmicos. Grande comoção mundial, a Europa em sobressalto e o primeiro-ministro espanhol recém-empossado faz voltar do Iraque as tropas espanholas que participaram da coalizão que invadiu o Iraque.

Em julho, o mundo parecia entrar em harmonia universal nas Olimpíadas de Atenas, a maior dos tempos modernos. Na mesma Europa, entretanto, a arte moderna sofre grande perda com o roubo de obras do artista plástico norueguês Edvard Munch, retiradas do, até então inviolável, Munch Museum, em Oslo. Entre as telas roubadas, o clássico "O Grito", que continua desaparecida.

Julho também foi o mês escolhido por Gal Costa para estrear Todas as Coisas e Eu, no palco do Directv Music Hall, em São Paulo. O espetáculo trazia direção e cenografia de Bia Lessa, com roteiro baseado no disco homônimo lançado no ano anterior pelo selo Indie Records. O show alcança boa acolhida de público e crítica, sendo levado ao Rio, Porto Alegre, Brasília, capitais do Nordeste, países da América Latina, Estados Unidos e Europa. Em cena, um retorno inesperado: Gal se acompanhava ao violão em canções gravadas por ela nos anos 70: Nega Manhosa, Samba Rubro-Negro e Um Favor.

O ano de 2004 também revela um dom desconhecido de Gal Costa: o da escritora memorialista. O jornal O Globo publica duas páginas com escritos da cantora, agrupados a partir de lembranças da carreira, reminiscências do tropicalismo e descobertas surpreendentes. [Os textos estão disponíveis aqui no site oficial] . A idéia será produzir, até 2006, um volume com relatos de vida, experiências profissionais e avaliações pessoais de momentos históricos da MPB.

Os dozes meses desse período não se encerraram de maneira suave, já que o tempo é um agente provocador de mudanças. Em 2004 morreram Yasser Arafat, Leonel Brizola, Christopher Reeve e Suzan Sontag. No Brasil, constatou-se que só restam 7% da Mata Atlântica original e que a Amazônia poderá ser destruída na mesma proporção.

No dia 26 de dezembro as placas tectônicas do planeta entram em transe e provocam na Indonésia um terremoto pontuado em 9,3 pontos na escala Richter. O tremor provoca o surgimento de ondas gigantescas, os tsunami, que avançam sobre o litoral de 12 países na Ásia e na África. O resultado foi tenebroso: mais de 230 mil pessoas mortas. Esse desastre natural apontou duas constatações: 1) o mundo do futuro será solidário e 2) tudo pode virar um grande espetáculo.

Eduardo Logullo


2005


Pelos fios que a história tece a cada período de 12 meses, 2005 poderia ser classificado como um tempo de continuidades e continuismos na política. Lula lá: abriu-se o ano no Brasil com o anúncio do governo petista ao FMI assegurando que, sim, a dívida brasileira de US$ 15,5 bilhões seria saldada em apenas dois anos e que, sim, evitaríamos seguir a moratoria da Argentina. Em contrapartida, enfrentamos por aqui a desordem do "mensalão" que, como todos os demais eventos funestos em torno do Congresso Nacional, acabou naquele famoso disco italiano de massa, coberto por queijo e tomates.

2005, portanto, carregou suas tintas na política. O presidente francês Jacques Chirac buscou socorro nos baús de leis gaulesas ao usando a Declaração de Emergencia (criada nos anos 1960 por De Gaulle) para conter manifestações populares nos arredores de Paris, na série de protestos coordenados por imigrantes norte-africanos que se consideravam excluídos da sociedade francesa. Ulalá. Em maio, a França já havia dito "Non!" ao referendo da Constituição Européia.

Em Londres, o primeiro-ministro britânico, o trabalhista Tony Blair, é reeleito para seu terceiro mandato e sanciona, sob pressões populares, a lei que bane da Grã-Bretanha o costume secular de caçar com cães. Na Nigéria, o secretário-geral da ONU comanda uma reunião com 25 dirigentes africanos que passariam a receber dos países ricos do Hemisfério Norte uma ajuda anual de US$ 55 bilhões. Desconhece-se se a intenção tem sido cumprida. Paralelamente, o Príncipe Charles oficializa em casamento no Castelo de Windsor seu notório romance com a aristocrata Camilla Parker-Bowles. A cerimônia conseguiu aplacar o pequeno escândalo provocado pelo príncipe Harry, que escolheu um uniforme nazista como seu traje em uma festa à fantasia.

A gafe real se somou à declaração do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, de que o Holocausto judeu da Segunda Guerra "Não passava de um mito histórico". Em Israel, Shimon Peres é eleito primeiro-ministro. No dia 24 de abril, Bento 16 inicia seu papado como chefe supremo da Igreja Católica. O último papa de nacionalidade alemã foi um religioso do século 11. Na Libéria, Ellen Jonson-Sirleaf é a primeira mulher eleita para presidir um país do continente africano.

Em desaparecimentos, 2006 não trouxe tantos abalos. Além de João Paulo II, morto no dia 02 de abril, saíram de definitivamente de circulação Rosemary Kennedy, filha mais velha de JFK; o compositor e regente britânico Edgard Briton; o filho de Nelson Mandella, Makghato, de Aids; e o cantor Chet Helms. No Brasil, a era do rádio foi esfacelada pela morte de Emilinha Borba. Nos esportes, o grande ciclista Lance Armstrong se afasta das competições. Michael Jackson é considerado inocente de molestar crianças. Chico Buarque faz 60 anos e ganha discos com sua obra gravada por outros artistas (Fafá de Belém e Eugênia Melo e Castro, por exemplo). Gal Costa também completa seis décadas de vida e declara à imprensa que se considera com "no máximo, 42".

Em retrospectiva, 2005 trouxe acontecimentos bastante positivos para Gal. A cantora começou o ano selecionando repertorio para o novo CD. Foram ouvidas mais de 300 composições. O resultado final da seleção musical contaria com indicações do jornalista e compositor Carlos Rennó, enquanto o disco, batizado depois de "Hoje", traria acabamento primoroso com produção e arranjos de César Camargo Mariano.

Entre março e abril, Gal ainda se apresentava com o show "Todas as Coisas e Eu", levado, depois da turnê nacional, a cidades como São Paulo, Recife e São José do Rio Preto. No dia 4 de junho, um acontecimento memorável: a artista é a homenageada do Heineken Festival, em San Juan, Porto Rico. Era a primeira vez que o evento escolhia uma cantora para centralizar a programação.As avenidas da capital porto-riquenha estavam cobertas por cartazes com o rosto de Gal.

Em julho, ela foi a principal atração do La Mar de Musicas Festival, em Cartagena, Espanha, na edição produzida em homenagem à Turquia.No mesmo mês, apresenta-se em Roma no Voci di Donna, dentro do tradicional calendario da Academia Santa Cecilia.Em seguida, canta no festival Veranos de la Villa, no Cuartel Conde del Duque, em Madri. No dia 13 de julho, participa em Paris do concerto "Viva Brasil", produzido pelo grupo brasileiro Pão de Açúcar. No show apresentaram-se também Gilberto Gil, Lenine, Jorge Benjor,Henri Salvador e Daniela Mercury. Em agosto, ao lado de Mercury e Zélia Duncan, Gal canta em outro grande evento musical organizado pelo Pão Music em São Paulo. Ao término do show, recebe o título de Cidadã Paulistana.

Em setembro, ao fazer 60 anos, ganha capa da revista "Bravo" e comemora a data lançando pelo selo Trama o seu 32ºálbum, "Hoje", com canções inéditas. No mesmo mês participa na Colômbia do 17º Festival internacional do Teatro Libre de Bogota, fazendo shows nessa capital e em Barranquilla. Dias depois, era a atração principal do Casino de Viña del Mar, no Chile.

A sua nova gravadora lança o DVD "Ensaio", da TV Cultura, gravado em 1994, com direção de Fernando Faro. A Universal edita em DVD o festival "Phono 73 – O Canto de um Povo",com imagens raras desse evento que reunira, há 32 anos, o estrelado elenco da então gravadora Phonogram no Auditório do Anhembi, São Paulo. O ano se encerra com os acertos de Gal em direção ao novo espetáculo "Hoje", que só viria a estrear no primeiro semestre de 2006.

Eduardo Logullo


Biografia extraída do site oficial: www.galcosta.com.br

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Dionne Warwick e Gal Costa: apresentação conjunta planejada há anos




RIO - Entre uma xícara de café e um copo d'água, os planos para 2009 – revelam Gal Costa e Dionne Warwick, duas veteranas cantoras que dividem o palco em inédito encontro nesta quinta-feira, no Vivo Rio – vão tão longe quanto o horizonte que contemplam, do alto da cobertura de um hotel em Copacabana. A baiana de Salvador anuncia nova turnê seguida de DVD para outubro, e a americana de Nova Jérsey finaliza o ainda inédito Dionne Warwick & amigos, registro de imagens do show que gravou em 2007 no Brasil ao lado de Gilberto Gil, Jorge Benjor, Ivan Lins, Simone, Emílio Santiago e Milton Nascimento.

– Nossa! Não sabia que você ainda não havia lançado esse DVD – surpreende-se Gal, alternando o português com um inglês digno de guia turístico do Pelourinho. – Pô, não dá para me incluir nisso, não?

Com um largo sorriso, a diva ianque faz sinal afirmativo.

– Minha ideia é justamente esta – garante Dionne, ex-moradora do Jardim Botânico. – Não terminei o projeto porque ainda recolho material que faço questão de incluir, e sua participação neste show estará sendo filmada com esse intuito. Pretendo lançar o DVD no natal.

Dionne já está com sua banda completa no Rio. Ao lado de Kathleen Rubbicco (piano e diretora musical), William Hunter (teclados), John Shrock (teclados), Ernest Tibbs (baixo) e Jeffrey Lewis (bateria) destaca-se o percussionista brasileiro Renato Pereira, que integra a trupe há 14 anos.

– A banda é como uma família. Passo o Natal na casa da Dionne e não tem um aniversário meu em que ela não prepare alguma surpresa – conta Pereira.

O encontro com Gal Costa vinha sendo maturado pela americana há anos e esperava uma brecha em ambas as agendas para se configurar.

– O show é dela – faz questão de frisar Gal. – Fui convidada para fazer uma participação e aceitei com muita honra.

Coautoria renegada

Hiperativos, os olhos de Dionne brilham ao falar de seus projetos, que vão além das turnês. Do alto de seus 68 anos, a cantora – nomeada Embaixadora de Alimentos e Agricultura Mundial pela ONU em 2002 – continua debruçada na pesquisa para um livro sobre a história da cultura afro-americana, destinado para o uso didático em escolas.

– O legado africano é indispensável para a música, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil – concorda Gal. – É uma exuberância de felicidade e ritmos inegualável.


Intérpretes por excelência, a brasileira diverte-se ao contar à americana a rara ocasião em que uma composição lhe foi atribuída.

– Tinha uma música num disco coletivo que fiz com Bethânia, Gil e Caetano (a faixa Quando, gravada pelos Doces Bárbaros) – recorda. – Lembrei porque estávamos em uma cobertura, assim como agora, só que em Ipanema, no apartamento de Caetano e Dedé (ex-mulher do cantor). Os meninos empacaram em determinado trecho e eu, espontaneamente, sugeri uma solução. Resultado: me creditaram como coautora, mas não considero que compus, nem que mereça o crédito. Só dei uma ajudinha.

Caetano é lembrado também ao avaliar a atual produção brasileira.

– Ainda não ouvi seu novo disco, mas estou doida para conferir. Tenho certeza de que é genial – exulta Gal. – Volto a afirmar o que falei certa vez e quase me mataram. Disseram que eu achava que os novos compositores não são bons, mas é um fato: a minha geração continua sensacional, acima da média.

Novas cantoras, como Amy Winehouse, não fazem a cabeça de Dionne. Só de ouvir o nome da inglesa problemática, franze a testa e torce o nariz.

– Não me identifico com as letras – confessa. – Dos mais recentes, gosto de Beyoncé, Usher e Mariah Carey. Mas, quando estou em casa, o que rola no meu CD-player é muita MPB. Tenho uma enorme coleção: Djavan, Milton Nascimento, Caymmi e, claro, Gal Costa.

No fim do papo, a conversa toma rumos não musicais e uma unanimidade vem à tona.

– Barack Obama foi a melhor coisa que aconteceu para os Estados Unidos – celebra a americana.

– Foi o acontecimento mais importante dos últimos tempos para todo o mundo – faz coro Gal.

Show tem canções de Chico, Ary Barroso e hits americanos

Perguntadas sobre o repertório da inédita apresentação conjunta, Gal e Dionne fazem segredo.

– Tudo será uma surpresa – afirma a baiana, que ensaiou com a banda da parceira nesta terça.

As duas ainda fazem outro ensaio e, no dia do show, uma longa passagem de som. Quem conta isso é o brasileiro Renato Pereira, que desfaz um pouco da aura de mistério sobre o roteiro:

– Vai ter uma parte do set só com piano, com a participação do Cristóvão Bastos – adianta o percussionista. – O repertório vai ser baseado no disco Aquarela do Brasil, que Dionne lançou em 1994. Estão certas canções como Piano na Mangueira (Tom Jobim/Chico Buarque), Na baixa do sapateiro (Ary Barroso) e Heart of Brazil (Antonio Adolfo/Nelson Wellington/Marietta Waters).

O músico se diz ansioso para o show.

– Finalmente vou ver o encontro dessas amigas de longa data. Tenho certeza de que a química será muito boa. Os timbres das vozes delas se completam muito.

Pereira já tinha larga experiência como músico de estúdio nos EUA quando, em 1995, foi recomendado pelo tecladista John Shrock para integrar a banda de Dionne.

– Já a vi em duetos com artistas como Stevie Wonder e Whitney Houston, e hoje estou emocionado. Tenho certeza de que o encontro com Gal é da mesma dimensão – avalia.

Leandro Souto Maior, Jornal do Brasil
Foto: Maíra Coelho
22:44 - 05/05/2009